sexta-feira, 25 de junho de 2010

Mudanças

 

À

Organização XXX

Eu, abaixo assinado, Henry Michkin, portador do B.I. nº xxxxxxxx; declaro que rescindo a partir do dia 31 de Agosto de 2010, o Contrato Sem Termo firmado entre mim e a empresa XXX, com início no dia 26 de Abril de 2007.

Lisboa, 25 de Junho de 2010

Assinatura: Henry Michkin

 

Sem dúvida a minha obra mais libertadora!

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Moscatel, Brandy & Martini


Num dia igual os outros nada de especial acontece. Sabes aquela sensação de querer respirar fundo e não conseguir? Como se numa certa parte do esófago uma mãozinha se impusesse e "a partir daqui não pode seguir". Hoje é esse dia.

Hoje falta-me o teu "bom dia"... como me falta desde há 3 meses quando tu "até sempre"... eu no autocarro, anónimo entre plantações de nucas a desejar que algum dia uma delas seja a tua...

O "bom dia", aquele meu "bom dia". Grito encurralado cheio de "estás diferente, indiferente". A subtileza nunca foi o meu forte. Mas hoje, subtilmente, o "bom dia" dirigido às rugas do lençol onde um dia estavas tu, gritava "no dia em que me perdeste ganhei a mais profunda ferida". Obrigada.

Uma ferida... a minha boca uma ferida que ganha pus exposta a um exterior vazio de ti... nunca sorri senão pela tua boca e então o mundo apenas brilhava nos teus lábios pedagogos que me ensinaram a encontrar a luz nas minhas trevas...

Será que foste feliz? Nos dias em que o meu beijo sabia a sal. Nunca percebi. Havia sempre uma névoa, qualquer coisa na qual nos perdíamos. O que não disse porque achei que ia viver para sempre. A beleza da ferida por ti deixada. O carro a guinar para a esquerda. Os teus olhos mudos a dizer não vás. A chapa a envolver-me. Hoje morri. Não morras mais por mim.


Por Maluqinho & Saltos Altos

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Uma visita ao dentista

 

 

dentista

 

Uma visita ao dentista, apesar de comum, é a experiência que mais se aproxima de uma abdução alienisna, diferindo apenas na condição voluntário/involuntário que dista ambas.

 

Entro na clínica e dirijo-me à recepção, onde, após algumas questões, Berta, uma criatura oxigenada sem queixo, daquelas em que o pescoço se liga directamente à boca, me encaminha para o consultório.

 

Neste, caiado numa brancura que pretende enganar os nervos e transmitir uma aura de pureza e tranquilidade, o Dr. recebe-me com simpatia, procurando afastar a minha atenção do polvo ortodôntico que irrompe no centro da sala, trono indesejado das minhas inquietações.

 

Antes de aplicar a anestesia, pergunta-me por problemas cardíacos. Obrigado pela preocupação Dr., certamente que alturas houve em que todos já desejámos uma desvitalização que nos matásse os nervos mais profundos desde o endo ao pericárdio, mas desta vez a dor é apenas nos dentes.

 

Aproxima-se com o tabuleiro e para afastar de mim a imagem duma sala de inquisição procuro fixar o olhar no tango argentino que passa na tv. O Dr. autoriza-me a cuspir… com metade da cara imóvel o cuspo sai pouco convicto e quando me deito percebo que, qual cordão umbilical unido à placenta, um ténue fio de saliva percorre os meus lábios até ao lavatório. Antes que o Dr, repare e julgue que tive um AVC tento um gesto subtil mas eficaz que quebre o embaraçoso laço.

 

A Berta irrompe pela sala e pergunta se foi chamada. O Dr. pouco convicto responde que não… para ter a certeza resolve certificar-se e pergunta-me se havia chamado a Berta. Dr. deu-me indicações expressas para não mexer a cabeça, tenho metade da cara inutilizada e não há maneira de terminar o eterno felatio a toda esta gama de aparelhos de ortodoncia, acha que é a melhor altura para conversar? apeteceu-me responder. Em vez disso soltei um AAAHHHMMMM e deixei-o à interpretação.

 

A Berta voltou para a recepção onde a esperava o Zé Maria que queria um branqueamento para condizer com a tez laranja que horas antes apurara no solário. Não sem antes lamentar, a Berta informou o cliente que, ao contrário do que o site indicava, os branqueamentos só eram grátis em caso de receber outro qualquer tratamento pago. Zé Maria questionou então quanto seria o branqueamento embora, beto orgulhoso que é, não sem referir que tal lhe era indiferente pois nunca seria impedimento, com uma tal firmeza que o julguei ouvir dizer que se sentiria até ofendido por receber tratamento grátis e insistiria sempre em deixar qualquer “coisinha” até porque a chegar ao conhecimento dos seus pares tal seria certamente razão para a sua expulsão do clube tauromáquico e apreensão por tempo indefinido dos seus sapatos de vela.

 

De volta ao consultório, o Dr. insistia em escavacar-me a cremalheira enquanto eu procurava por todos os meios não cruzar o olhar com o dele, não apenas pelo cariz homossexual que existe num olhar frontal entre dois homens, mas também porque este era dono de uma farfalhuda mono-sobrancelha cuja existência eu preferia dar ares de ignorar.

 

Finda a provação, libertei-me dos tentáculos, dei um passou-bem ao Dr., agendei a próxima consulta com a Berta e, já no exterior, com um sabor a óleo de fígado de bacalhau fora do prazo na boca, pergunto: O que passa na cabeça de alguém para escolher ser Dentista?