Qual é a expressão qual é ela que hoje em dia é tão vulgar ouvir nos meios mais urbanizados, sobretudo entre a faixa etária dos 20 aos 30, como o era a expressão "então hoje o que é que temos para o jantar? Oh não, judeu outra vez... " em Leipzig durante a II Grande Guerra?(rufar de tambores)... "Eu cá gosto de Arte!"... tão bonito, gostar de arte... ora eu ainda me recordo quando o meu irmão mais novo era puto e ao jantar pedia à minha mãe para fazer o "pudim do sr. chinês", com aquela caixinha azul com um mandarim amarelo, porque ele gostava muito desse pudim... tal como a minha pequena priminha Patrícia gostava que eu pegásse nela pela cintura e a fizésse saltar utilizando uma enorme bola de borracha como trampolim... "weeeeeee" dizia ela... ou tal como o meu irmão mais velho gostava de gozar carinhosamente com a minha avó e fazer-lhe questões do género "Oh vó, você acha que o Universo tem fim?" só para ouvir a resposta "Não sei filho, não estudei."... portanto, hoje gosta-se de arte tal como se gosta de um pudim à sobremesa, um trampolim improvisado ou as respostas ingenuamente hilariantes de uma avó, porque a arte hoje é fofinha, tem estilo, é colorida, é sexy, etc... e depois é ver quem aprende nomes de artistas mais rápido, quem os decora em maior quantidade e quem dá demonstrações de maior admiração por estes... ora um tipíco diálogo pode decorrer da seguinte forma: miuda de franja com óculos escuros estilo máscara de soldar: "Este fim-de-semana estive em Londres e fui ao Tate, vi lá quadros fantásticos do Warhol" rapaz anoréxico com calças de ganga coladas aos ossos t-shirt lisa e um lenço padronizado com cornocópias: "É verdade, ele é fantástico!" miuda: "Desculpa, fantástico é pouco, ele é um génio!" rapaz: "Desculpa, génio é o da lâmpada, ele é algo que olha nem sei que te diga!" miuda: "Desculpa eu é que nem sei que te diga de tão bom que ele é!" rapaz "Desculpa, eu amo o Warhol!" miuda "Desculpa o Warhol fazia o que quisésse de mim ainda hoje que está morto!" rapaz "Desculpa, amanhã mesmo vou-me incinerar e pedir para despejarem as minhas cinzas na campa do Warhol de tão bom que ele é!" miuda "Desculpa, eu estou aqui mas já me vou embora porque marquei para daqui a meia-hora com o homenzinho do talho para me cortar às fatias em forma de letrinhas para escrever Warhol comigo de tanto que gosto dele!" rapaz "Desculpa, já não te ouvi porque já incinerei para aí metade de mim de tanto que o venero!" miuda: "eu ainda te ouvi menos porque o senhor do talho já fez de mim um "Wor" de tanto que o aprecio!"... a acompanhar a esta veneração tão histérica e sedenta como vazia, arrogante e sem noção de ridículo, temos todo o fenómeno base desta adoração à arte que reside sobretudo e afinal de contas no conceito gasto e no entanto tão irreal do cliché do artista, do aparente "glamour" que rodeia músicos, pintores, escritores, etc, e que se traduz não pela sua arte efectivamente, pelo conteúdo, pois que esse é necessário estudar e sentir para compreender, o que extenua e consome demasiado tempo que pode ser passado a decorar nomes e a adquirir os artefactos desta subcultura como chapéus, lencinhos, óculos, a bebericar vinho, a fumar tabaco de enrolar, naquilo que é uma imitação rasca e uma pretenção de sentimento de pertença a essa elite intelectual, mas fazendo um corta-mato onde novamente pouco interessa o que se é, aprecia, ou sabe efectivamente, mas importa sim parecer que se é, que se aprecia e que se sabe, tudo isto em quantidade (pena é que também em qualidade) industrial... o título que escolhi para o blog foi sobretudo a partir desta ideia de "cosmopolitismo da moléstia dos «nervos», característico dos modernistas, e abraçado por Mário de Sá-Carneiro, para quem «estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...»" (Nódoas na alma, a medicina e a loucura, Carlos Mota Cardoso(2008)). Para todos os que nessa ansiedade de glamour fácil, em que se confunde de facto a borra com o café, julgamos possuir dentro de nós um artista por revelar, mesmo quando inférteis de coragem, vazios de coração e espírito de sacrifício, criando enredos onde nos deslocamos rebeldes por entre classes sociais, como só um verdadeiro artista consegue fazer, talvez seja sensato olharmos com mais atenção para o dito "glamour" e descobrir-mos em Jean Michel Basquiat o jovem pintor tímido, impulsivo e auto-destructivo cuja ascenção e quedas meteóricas culminaram na sua morte por overdose com apenas 27 anos, em Jackson Pollock o alcoólico em permanente tratamento psiquiátrico que morreu após um acidente de automóvel, em Kafka uma personagem insegura, frágil e sensivel cujo ultimo desejo consistiu na destruição de toda a sua obra, antes de falecer num sanatória em Viena, no nosso Saramago, cuja grande parte dos seus dias era passada solitariamente entre o trabalho e a biblioteca, nos inovadores músicos de rock Jimi Hendrix e Janis Joplin que à semelhança de Basquiat perderam a vida aos 27 anos após overdose de várias drogas, ou Parker, uma das mais importantes forças rejuvenescedoras do Jazz, que sempre torturado pelas drogas e pelo alcoól e após esgotamento nervoso e várias tentativas de suicídio, morreu atormentado por doenças psíquicas e somáticas... a arte não é fofa, não é só glamour, não é status, é coragem, insistência, sentimento, excesso, desiquilíbrio e se traduz, por estes exemplos e também pelo de Van Gogh, a quem o reconhecimento foi negado em vida, como a tantos outros e que justificou o seu "suicídio pela sociedade" nas suas ultimas palavras onde, antes de disparar sobre o seu peito, referiu ser aquela a única forma de por fim à sua tristeza, numa quantidade consideravel de sofrimento. Pensemos todos então, duas vezes antes de nos referir-mos de forma tão leve ao artista que há em nós, em que consiste de facto se-lo e quais os proveitos e exigências que tal papel acarreta. Pessoalmente muitas vezes é a ansiedade e um certo mal-estar interior que me fazem escrever, pois raramente o faço quando estou bem. E por isso aprecio bem mais a companhia dos puros que se cagam de alto para este cosmopolitismo de prét-à-porter, feito à medida de bernardos e catrefas snifadores de coca, como o meu primo que veio de Trás-os-montes com uma mão na frente e outra atrás, trabalha na manutenção no Aeroporto da Portela depois de já ter sido pasteleiro, ainda chama "bjeca" à imperial e coloca o gel ás carradas puxando o cabelo para trás com as mãos em forma de garra, e que é mais bem educado e tem mais coração de artista do que qualquer veado ou cabra-pós moderna que tentam bancar uma de Matisse como se a água se transformásse em vinho.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
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6 comentários:
Olá.Eu estudo neste presente momento Belas Artes, estou muito feliz com essa escolha que fiz e compreendendo o exagero que fazes do retrato do diálogo do rapaz e rapariga,mas eu acho que no fundo, a arte é para ser " banalizada", não é só de elites, e ainda bem que assim o é, mas acho pouco sensato a história dos artistas que só o são aqueles que se afundam em drogas, que morrem novos, e que se sentem tão incompreendidos, como se fossem apenas coitadinhos.
Desculpa assim a intromissão. Ainda me posso arriscar a acrescentar : não é descobri-mos, mas sim descobrimos.
Obrigada.
acho que ias adorar conhecer os meus colegas de turma do curso onde estava antes! :P
e este é um retrato super bem observado destas pseudo elites de óculos de massa cuja sensibilidade para apreciar o que quer que seja se resume a decorar nomes e algumas citações (é giro parecermos intensos e melancólicos). Tal como a Raquel diz, também concordo que a arte deveria ser "banalizada", mas principalmente no acesso que temos a ela. Só assim , quem a discute tão levianamente, saberia dizer mais qualquer coisa do que "ya, tipo ele é um génio". Penso que aqui a questão é que, perceber a arte, seja o urinol do duchamp, a 9ª sinfonia de bethoven, um bailarino feliz ou um escritor suicida, é acima de tudo senti-la e não uma mera enumeração de nomes que decoramos porque é in ou porque o artista é um depressivo cheio de glamour.
(mas tenho que dizer que tipo eu venero o Basquiat porque ele era tipo um visionário e mais não sei quê!)
Raquel, não peças desculpa por teres a tua opinião, já o preciosismo final pareceu-me supérfluo... o que procurei dizer vai muito na linha do que a Pandora afirmou. Se por "banalização" te referes a uma democratização do acesso quer à aprendizagem da arte quer ao seu consumo, concordo o mais possivel, como aliás em relação a qualquer outra realidade. Noutro qualquer sentido não vejo qual a vantagem da banalização, pois isso apenas gera ainda mais preguiça mental.Eu não defendi o cliché do artista sofredor, referi-me sim à leveza com que se enumeram artistas e as suas obras, à forma irresponsável como se fala em glamour e portanto os meus exemplos visavam chamar a atenção para o facto de que a vida de artista não são festas, não são fama e dinheiro apenas, pois não há nada de glamouroso numa morte por overdose aos 27 anos. A Pandora referiu e bem a intensidade e era aí que pretendia chegar, pois todos temos bons e maus momentos, qualquer pintor, escritor e/ou músico também o terá, agora dificilmente encontrarás um grande artista branco de emoções e leve na intensidade com que se dedica ao seu trabalho. Não vejo outro propósito na arte que não o de desafiar as pessoas, e não acredito de facto que, para além daqueles cujo unico interesse está nesse glamour aparente e vazio, alguém fique a ganhar com uma popularização desta que motive a preguiça em vez da educação. Não defendo nem elitismo nem banalização, defendo sim o reconhecimento aqueles que são esforçados, humildes, humanos e atingem com mérito aquilo a que se propõem, a esse tipo de elite sim eu bato palmas.
meu caro, devo dizer que este assunto já foi abordado por nós, demasiadas vezes. Rimos, questionamos e, seriamente, falamos sobre este fenómeno que chega a ser...enervante. É "giro" gostar de ser culto e mostrar aos outros que o é. Isto lembra-me uma míuda de 20 aninhos a apresentar-se a um professor meu disparando um: " Eu ADORO ler!", sem qualquer argumentação, sem profundidade..só isto. Claro que eu e uns quantos que simpatizam com esta nossa indignação tiveram o mesmo gesto físico: polegar e indicador nos seios nasais e um suspiro de desalento. Foi só uma migalhinha do que anda por aí. Mas não vamos menosprezá-los.. quem sabe se ao fazermos uso de toda essa informação que eles anseiam por partilhar não nos conduz a algo novo, boa? Eu, que até acho a Arte "catita" gosto de usufruir desse recurso tão acessível:) Outra coisa, não querendo ofender sugestões feitas anteriormente. Não ligues às gralhas ortográficas, defende-as com garra! Desde que descobri LLansol, concluí que qualquer corpo estético, com ou sem estrutura não perde qualquer valor literário. Por isso: "descobri-mos" está muito bem...e com todas as regras e excepções do Acordo Ortográfico, o que é que isso interessa? Por toda a consideração que tenha pela Língua Portuguesa, notas uma certa incoerência da minha parte:P mas é tudo pela Arte! Bravo Johnny**
Eh caralho mais às artes.
ahahah páiáço!!! ;P Ideia... palavras!!!
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