segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Apetece-me a tua pele...


Gotas de chuva cometem harakiris contra os estores do meu quarto enquanto me detenho em pensamentos... mais precisamente dois, de naturezas e belezas completamente distintas, bipolares até... movimentam-se singelamente como medusas na minha cabeça aquariana... penso no homem que ontem, mesmo à minha frente tropeçou o pé esquerdo no atacador desenlaçado do pé direito e se estatelou desamparado no chão... um Meu Deus! saíu da boca da senhora gorda de faces róseas que caminhava do meu lado... é curioso este automatismo irreflectido que dispara Meu Deus! sempre que algo de mau, feio, assustador nos surpreende, mas o mesmo não acontece quando a natureza da situação nos faz sorrir. Pobre diabo este Deus a quem recorremos com um egoísmo inocente de criança para que nos poupe das desgraças e azares... Deus é um exterminador pro bono a quem recorremos se alguma barata ou ratazana indesejadas esperneiam nojo pelo nosso quatidiano, e a quem, uma vez terminado o trabalho, despachamos sem o minimo agradecimento de uma cerveja fresca... quando há uma festa em casa ninguém convida o pobre do exterminador... mas divago demais e a imagem do homem estatelado é que se me detém... não devia estar bem porque nem os braços esticou para amparar a queda, caiu de fuças, mergulhou a cara na calçada tal e qual um pinguim nas águas gélidas do ártico... puta que pariu! exclamei eu para mim quando o velhote acabado de saír da barbearia em frente e que prontamente acudiu o pobre homem lhe levantou a cara do passeio... qual cara qual quê, já comi purés de batata bem menos disformes que aquilo que o velhote tinha nas mãos... de repente o meu coração, na fúria de um louco detido por uma camisa de forças, parecia querer libertar-se do meu peito e imigrar dali para fora o mais rápido possivel... por vezes a fragilidade das coisas faz-me chorar... mas choro depois, sozinho... ali como noutras alturas engoli, abri o mais que podia os olhos para impedir as lágrimas, enchi-me como um peixe-lua e soprei toda aquela angústia na direcção da calçada agora polvilhada com os dentes do coitado... e agora, deitado na minha cama a olhar sem observar a cópia de um Picasso onde uma senhora marreca acaricia um corvo emoldurados por cima da minha cómoda, suspendo-me pasmado a pensar como é possivel que na mesma realidade coexistam substâncias tão distintas, naturezas tão paradoxais como o horror de uma cara esburrachada no passeio e a suavidade apaziguadora da tua pele... por isso, quando assisto a coisas feias, não chamo por Deus como os outros, simplesmente me recordo da tua pele...

2 comentários:

a gi* disse...

Foto expressiva e palavras bonitas ;)

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echoes disse...

lindo!